Ucrânia. Ialta, Sevastopol, Kiev, Odessa

Percorro o mais longo trajecto de Trolleybus do mundo, num Trolley do tempo da União Soviética – até o preço parece ser desse tempo, 3 UAH à volta de 30 cêntimos -, desconfortável, muito lento, e apinhado de gente. Os 85 Km que ligam Simferopol a Ialta, em 2h e 45 min, são passados a remexer-me dum lado para o outro, levantando-me e sentando-me aqui e ali, de maneira a tentar disfarçar a dor que assola as principais articulações dum corpo que começa já a não ter idade para estas andanças. Leva-me a Ialta a ideia de realizar um percurso de trolley que tem os seus dias contados, mas também, visitar a cidade e os palácios “Ninho de Andorinha” e Livadia.

Ialta foi construída no século XIX afim de travar o alargamento da tuberculose que infectava muitos membros da então aristocracia. Os seus inúmeros sanatórios foram, posteriormente, transformados em luxuosos hotéis, tornando-se a cidade numa estância balnear dos russos e ucranianos mais abastados. O passeio junto à praia é extremamente bonito com o doirado das palmeiras, o verde das montanhas e o azul-turquesa da água a servirem de pano de fundo. Chama-me a atenção a estátua de Lenin uma das poucas que sobreviveram, na Crimeia, à queda do comunismo e a catedral Alexander Nevski uma espantosa peça de arquitectura Neo-Bizantina de fino recorte.


Decido fazer um passeio de barco para ter a mais espectacular abordagem ao palácio “Ninho de Andorinha” e me refrescar dum sol abrasador que me queima as emoções. Tal como muitas estrelas de cinema, o palácio é mais pequeno ao vivo do que parece em muitas fotografias. O palácio em si não é nada de muito especial e vale pela paisagem que oferece numa combinação perfeita entre montanha e mar a fazer lembrar as praias da Arrábida. De tarde visito o palácio Livadia. Este foi o local onde se realizou a conferência de 1945 entre os Presidentes de Estado do Reino Unido, Churchill, dos Estados Unidos, Roosevelt e da Ex-União Soviética Estalin, redefinindo as novas fronteiras da Europa do pós II Grande Guerra Mundial.



 



Viajar é também conhecer a rede de transportes locais. Ver através de gestos, palavras e sinais como funcionam. Aqui a maior parte da pessoas não fala inglês. Eu não falo russo. Por isso, a comunicação torna-se difícil. Entro num autocarro que me levará a Sevastopol e sento-me no único lugar disponível. De seguida o condutor pede para lhe mostrar o bilhete e abra a porta dizendo-me, num tom brusco e grosseiro, para sair – agora entendo a minha aluna ucraniana, Olena, acerca da rispidez dos seus conterrâneos. As pessoas explicam-me em russo o que se passa e eu sem nada entender. Uma alma caridosa lá me mostra no bilhete que afinal o meu autocarro só parte 20 min. mais tarde. Estes autocarros, aqui denominados “Marshrutkas” são o principal meio de transporte da Crimeia. São pequenos, não mais de 20 lugares, desconfortáveis e circulam sempre cheios. As pessoas entram e sentam-se. Só depois fazem circular o dinheiro da passagem de fila em fila até chegar ao condutor. Como andam sempre cheios quem não quiser pagar pode fazê-lo sem o condutor se aperceber. Em Portugal seria bonito, seria!




Interesso-me por Sevastopol devido à guerra da Crimeia, entre 1854-56. A Rússia conquistou a Moldávia e a Valáquia pertencentes ao então decadente império Otomano afim de assegurar a rota comercial entre o Mar Negro e o Mediterrâneo. O Reino Unido e a França aliaram-se aos turcos opondo-se à ofensiva russa que colocava em risco as suas rotas para a Índia e colónias do norte de África. Na tentativa de recuperar Sevastopol, os aliados cercaram-na durante 349 dias ao longo dos quais ocorreram inúmeras batalhas. A cidade é também conhecida por albergar a maior frota naval da Rússia no mar Negro. Isso é visível não só no navios atracados na base, mas também, nos vários edifícios com a bandeira russa hasteada. A cidade esteve encerrada a turistas até 1996 e seus únicos habitantes eram marinheiros e suas famílias, traduzia-me a Svetelana, uma ucraniana a trabalhar em França, numa excursão de barco que fiz pelas baías de Sevastopol.


Em Kiev quebro uma regra básica de segurança quando se viaja para cidades grandes – andar sozinho, de noite e em sítios com pouca gente. Fui um alvo fácil de burlões. Caminhava calmamente numa das principais praças da cidade quando por mim passa um homem que deixa cair uma maço de notas. Eu apanho e chamo-o, entregando-lhe o dinheiro. Ele agradece-me encarecidamente o acto, mas refere que lhe falta um 2º maço, se o tinha visto ou alguém a fugir. Eu digo que não. De imediato aparece um 2º homem, muito bem parecido, e mostra muito depressa um crachá a identificar-se como polícia. É aí que me apercebo que algo não está certo. O polícia pede a identificação ao outro sujeito e de seguida pede-me a mesma coisa. Suspeitando que se tratasse dum assalto, menti-lhe dizendo que tinha deixado no albergue. De imediato pede-me para lhe mostrar todo o dinheiro que tinha. Procuro manter a calma e mostrar-lhe que não estou com receio. Digo-lhe que estou ali de passagem e que vou embora no dia seguinte, razão pela qual já não tenho dinheiro. Tentando desenvencilhar-me da situação, despeço-me educadamente e vou-me embora. Conto a situação ocorrida ao Mark, norte-americano, meu colega de quarto. Ele diz-me que situações destes são comuns na cidade, sobretudo com estrangeiros. A inflação e a taxa de desemprego são altas e há muita gente, que por necessidade ou não, se dedica a atividades menos lícitas.
















Apesar do percalço na chegada à cidade, não deixei de a visitar. O dia estava chuvoso, escurecendo ainda mais uma cidade cujos prédios são edificados em tom acinzentado e que em comparação com outras capitais europeias tem muito pouco para visitar. Gosto da visita que faço à Mosteiro Lavra. Trata-se do maior complexo religioso da Ucrânia, preenchido com inúmeros locais de oração – capelas e igrejas, casas de habitação dos monges e um curioso labirinto religioso subterrâneo onde descansam os corpos de nomes importantes da igreja de Kiev. Desço tranquilamente a rua Andrivski, regalando a vista com trabalhos artesanais, pinturas, os mais variados objectos do tempo soviético e da II Guerra Mundial e noivos pousando para a fotografia nesta que é a rua mais emblemática de Kiev.


Odessa é encantadora, referem as brochuras turísticas locais, Aliás esse era o desejo da czarina Catarina II, quando ordenou edificá-la no século XVIII. Encontro uma cidade com edifícios e meios de transporte velhos, do tempo do comunismo, a precisarem urgentemente de remodelação – nem parece que esta vai ser uma das cidades do próximo Euro-2012 em Futebol. A visita à cidade vale sobretudo por nos deixarmos envolver por uma multidão que enche as principais estradas pedonais magnificamente arranjada numa exaltação permanente à beleza eslava. Quem por aqui passa não deixa de visitar a Arcádia, a mais conhecida e frequentada das praias da cidade. É uma praia de areia, cortada por pontões que lhe dão um ar mais abrigado. A água é quente, semelhante à do Mediterrâneo, não estivesse a cidade à beira Mar Negro plantada.


Chama-me a atenção o preço reduzido dos meios de transporte na Ucrânia. Em Odessa paguei pelo percurso de ida e volta, entre o centro da cidade e a praia, qualquer coisa como 0,18€. Pelo autocarro entre Odessa e Chisinau na Moldávia 4,50€. Em Kiev andei várias vezes de Metro e por cada uma delas paguei, 0,15€. Na Crimeia, no percurso de ida e volta de Trolleybus entre Simferopol e Ialta (86 Km) paguei 0,55€. No Mini Bus “Marsrhutkas” ida e volta entre Simferopol e Sevastopol (80 Km), paguei 3,70€. Em Simferopol andava de Mini Bus por 0,18€ cada viagem. A contrapor tudo isto foi o que paguei para vir de Kiev para Odessa no comboio nocturno, 58€. A alternativa mais barata não me permitia ter tempo para visitar Kiev. Fiz a viagem num compartimento com 2 camas mas que nesse dia só eu o ocupei. Viajei em 2.ª classe com condições de 1.ª.



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